DOSSIÊ DA PREVENT SENIOR: Pacientes não sabiam que estavam em estudo clínico com hidroxicloroquina

A ausência do diretor-executivo da Prevent Senior, Pedro Batista Júnior – que era esperado para depoimento nesta quinta-feira (16/9) -, permitiu à CPI da COVID trazer a público um estudo, realizado pelo plano de saúde, que ocultou mortes de pacientes submetidos ao uso associado, contra a COVID-19, de hidroxicloroquina e azitromicina. O resultado foi de nove óbitos, mas os representantes da empresa só informaram duas, sendo que seis estavam entre os que tomaram as medicações do chamado “kit COVID” defendido pelo governo federal.

 

Conduzida pelos médicos Rodrigo Esper e Fernando Okawa – respectivamente supervisor e professor do programa de residência da Prevent -, foi realizada em pacientes que apresentaram sintomas gripais, e teve início em março de 2020. Uma mensagem enviada pela direção do plano de saúde ao corpo médico sinalizava para a conjugação dos medicamentos, mas vinha acompanhada de uma observação: “Por favor, não informar o paciente ou familiar sobre a medicação e nem sobre o programa”.

A pesquisa, que não tinha a aprovação da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), foi realizada sem que os internados soubessem. De acordo com o dossiê, a preocupação de Pedro Batista Junior era “facilitar a manipulação dos resultados da pesquisa para ‘comprovar’ a eficácia do tratamento”. As informações passadas à CPI vieram de médicos e ex-médicos da Prevent.
O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta chegou a fazer críticas ao plano pelos atendimentos realizados durante a pandemia. De acordo com o dossiê de posse da comissão de inquérito, “a Prevent Senior aderiria às diretrizes do governo federal e do Ministério da Economia repassadas por novos ‘assessores’, e o Ministério da Saúde pararia com as críticas e acusações, ainda que fosse necessário trocar o ministro da Saúde”.

De acordo com a CPI, a construção dessa estratégia passou pelo chamado “gabinete paralelo da saúde”, montado para assessorar Bolsonaro no combate à pandemia. Para supostamente ajudar na divulgação do “kit covid”, foram convidados o toxicologista Antony Wong, a imunologista Nise Yamaguchi e o virologista Paolo Zanotto. Na gestão de Eduardo Pazuello, o Ministério da Saúde fez forte defesa do chamado “tratamento precoce” e, inclusive, forças-tarefas foram defendê-lo junto a prefeituras – como aconteceu em Manaus, em que a secretária em gestão da pasta, Mayra Pinheiro (conhecida como Capitã Cloroquina), fez discurso para um grupo de médicos pressionando para que fosse prescrita a combinação que incluía a cloroquina.

No dossiê de posse da CPI, os médicos da Prevent denunciam, também, que foram forçados a trabalhar mesmo infectados com a COVID-19 e que tinham EPIs limitados para atendimentos. Mais: em algumas ocasiões, eram proibidos de usar máscaras de proteção, além de serem forçados a participar de um controle por metas de desempenho de prescrição do “kit COVID”.

O que é uma CPI?

As comissões parlamentares de inquérito (CPIs) são instrumentos usados por integrantes do Poder Legislativo (vereadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores) para investigar fato determinado de grande relevância ligado à vida econômica, social ou legal do país, de um estado ou de um município. Embora tenham poderes de Justiça e uma série de prerrogativas, comitês do tipo não podem estabelecer condenações a pessoas.

Para ser instalado no Senado Federal, uma CPI precisa do aval de, ao menos, 27 senadores; um terço dos 81 parlamentares. Na Câmara dos Deputados, também é preciso aval de ao menos uma terceira parte dos componentes (171 deputados).

Há a possibilidade de criar comissões parlamentares mistas de inquérito (CPMIs), compostas por senadores e deputados. Nesses casos, é preciso obter assinaturas de um terço dos integrantes das duas casas legislativas que compõem o Congresso Nacional.

O que a CPI da COVID investiga?

Instalada pelo Senado Federal em 27 de abril de 2021, após determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), a CPI da COVID trabalha para apurar possíveis falhas e omissões na atuação do governo federal no combate à pandemia do novo coronavírus. O repasse de recursos a estados e municípios também foi incluído na CPI e está na mira dos parlamentares.
O presidente do colegiado é Omar Aziz (PSD-AM). O alagoano Renan Calheiros (MDB) é o relator. O prazo inicial de trabalho são 90 dias, podendo esse período ser prorrogado por mais 90 dias.

Saiba como funciona uma CPI

Após a coleta de assinaturas, o pedido de CPI é apresentado ao presidente da respectiva casa Legislativa. O grupo é oficialmente criado após a leitura em sessão plenária do requerimento que justifica a abertura de inquérito. Os integrantes da comissão são definidos levando em consideração a proporcionalidade partidária — as legendas ou blocos parlamentares com mais representantes arrebatam mais assentos. As lideranças de cada agremiação são responsáveis por indicar os componentes.

Na primeira reunião do colegiado, os componentes elegem presidente e vice. Cabe ao presidente a tarefa de escolher o relator da CPI. O ocupante do posto é responsável por conduzir as investigações e apresentar o cronograma de trabalho. Ele precisa escrever o relatório final do inquérito, contendo as conclusões obtidas ao longo dos trabalhos.

Em determinados casos, o texto pode ter recomendações para evitar que as ilicitudes apuradas não voltem a ocorrer, como projetos de lei. O documento deve ser encaminhado a órgãos como o Ministério Público e a Advocacia-Geral da União (AGE), na esfera federal.
Conforme as investigações avançam, o relator começa a aprimorar a linha de investigação a ser seguida. No Congresso, sub-relatores podem ser designados para agilizar o processo.
As CPIs precisam terminar em prazo pré-fixado, embora possam ser prorrogadas por mais um período, se houver aval de parte dos parlamentares

O que a CPI pode fazer?

  • chamar testemunhas para oitivas, com o compromisso de dizer a verdade
  • convocar suspeitos para prestar depoimentos (há direito ao silêncio)
  • executar prisões em caso de flagrante
  • solicitar documentos e informações a órgãos ligados à administração pública
  • convocar autoridades, como ministros de Estado — ou secretários, no caso de CPIs estaduais — para depor
  • ir a qualquer ponto do país — ou do estado, no caso de CPIs criadas por assembleias legislativas — para audiências e diligências
  • quebrar sigilos fiscais, bancários e de dados se houver fundamentação
  • solicitar a colaboração de servidores de outros poderes
  • elaborar relatório final contendo conclusões obtidas pela investigação e recomendações para evitar novas ocorrências como a apurada
  • pedir buscas e apreensões (exceto a domicílios)
  • solicitar o indiciamento de envolvidos nos casos apurados

O que a CPI não pode fazer?

Embora tenham poderes de Justiça, as CPIs não podem:

  • julgar ou punir investigados
  • autorizar grampos telefônicos
  • solicitar prisões preventivas ou outras medidas cautelares
  • declarar a indisponibilidade de bens
  • autorizar buscas e apreensões em domicílios
  • impedir que advogados de depoentes compareçam às oitivas e acessem
  • documentos relativos à CPI
  • determinar a apreensão de passaportes

A história das CPIs no Brasil

A primeira Constituição Federal a prever a possibilidade de CPI foi editada em 1934, mas dava tal prerrogativa apenas à Câmara dos Deputados. Treze anos depois, o Senado também passou a poder instaurar investigações. Em 1967, as CPMIs passaram a ser previstas.
Segundo a Câmara dos Deputados, a primeira CPI instalada pelo Legislativo federal brasileiro começou a funcionar em 1935, para investigar as condições de vida dos trabalhadores do campo e das cidades. No Senado, comitê similar foi criado em 1952, quando a preocupação era a situação da indústria de comércio e cimento.
As CPIs ganharam estofo e passaram a ser recorrentes a partir de 1988, quando nova Constituição foi redigida. O texto máximo da nação passou a atribuir poderes de Justiça a grupos investigativos formados por parlamentares.

CPIs famosas no Brasil

1975: CPI do Mobral (Senado) – investigar a atuação do sistema de alfabetização adotado pelo governo militar

1992: CPMI do Esquema PC Farias – culminou no impeachment de Fernando Collor

1993: CPI dos Anões do Orçamento (Câmara) – apurou desvios do Orçamento da União
2000: CPIs do Futebol – (Senado e Câmara, separadamente) – relações entre CBF, clubes e patrocinadores
2001: CPI do Preço do Leite (Assembleia de MG e outros Legislativos estaduais, separadamente) – apurar os valores cobrados pelo produto e as diretrizes para a formulação dos valores
2005: CPMI dos Correios – investigar denúncias de corrupção na empresa estatal
2005: CPMI do Mensalão – apurar possíveis vantagens recebidas por parlamentares para votar a favor de projetos do governo
2006: CPI dos Bingos (Câmara) – apurar o uso de casas de jogo do bicho para crimes como lavagem de dinheiro
2006: CPI dos Sanguessugas (Câmara) – apurou possível desvio de verbas destinadas à Saúde
2015: CPI da Petrobras (Senado) – apurar possível corrupção na estatal de petróleo
2015: Nova CPI do Futebol (Senado) – Investigar a CBF e o comitê organizador da Copa do Mundo de 2014
2019: CPMI das Fake News – disseminação de notícias falsas na disputa eleitoral de 2018
2019: CPI de Brumadinho (Assembleia de MG) – apurar as responsabilidades pelo rompimento da barragem do Córrego do Feijão

 

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