COVID-19: País não tem dados de autotestes, e médicos apontam subnotificação

O aumento na média móvel de casos e a escalada na taxa de positividade de testes da covid-19 apontam que o país está vivendo um período de alta da doença. Porém, segundo especialistas ouvidos pela coluna, essa alta está sendo ainda mais subnotificada por conta dos autotestes.

No país, mesmo que o resultado de um autoteste dê positivo, o caso não é contabilizado pelas autoridades. Para isso ocorrer seria necessário que a pessoa procurasse um ponto de testagem oficial e fizesse exame conduzido por um profissional de saúde.

Segundo a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), o autoteste de covid-19 não define um diagnóstico, que deve ser realizado por profissional de saúde.

“Seu caráter é orientativo e o mesmo serve como triagem para orientar o usuário sobre o risco de transmissão do vírus e as medidas que podem ser adotadas (dentre elas, a realização de exame confirmatório, mediado por profissional de saúde)”, diz a agência à coluna.

De acordo com o Ministério da Saúde, não há dados de quantas pessoas buscaram serviços de saúde após os autotestes.

A pasta explica que quem faz o autoteste deve “atender a orientação do fabricante” e que, a partir do resultado obtido, “procure uma unidade de atendimento de saúde para que um profissional realize a confirmação do diagnóstico, a notificação e oriente quanto à prevenção da transmissão do vírus e forneça a assistência necessária”.

Apesar da recomendação, não há obrigação para que quem faça o teste e dê positivo procure um local de atendimento. Nem mesmo as farmácias que vendem os testes sabem informar quantas pessoas compraram e fizeram o autoteste.

Ao contrário de outros países, o Brasil não distribuiu autotestes de covid-19 à população.

A pedido da coluna, a Abrafarma (Associação Brasileira de Farmácias e Drogarias) informou que entre março e abril 32 mil pessoas informaram resultado dos testes no aplicativo de autoteste de covid-19. Porém, a associação não soube informar o total de testes vendidos no período.

A taxa de positividade dos testes ficou em 22% do total informado, bem próximo do percentual de outros sistemas —que têm apresentado alta nesse índice.

Segundo dados do GAL (Gerenciador de Ambiente Laboratorial), do Ministério da Saúde, a taxa de positividade de exames pelo SUS (Sistema Único de Saúde) mais que dobrou em apenas em uma semana e chegou a 26%. Em abril, o país realizou o menor número de testes de covid-19 em dois anos de pandemia.

Na rede privada, esse percentual está em 24,1%, segundo a Abramed (Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica).

Especialistas apontam que, como nem todos os casos suspeitos são testados, a taxa de positividade é um bom parâmetro para saber se o número de casos está crescendo em um local.

A coluna procurou também as três maiores redes de farmácia do país, que também informaram não ter dados de quantos autotestes foram vendidos.

No país temos hoje 31 autotestes aprovados pela Anvisa, com preços a partir de R$ 50 nas farmácias.

A Anvisa informou ainda à coluna que, “quanto aos resultados dos autotestes, a política do PNE-Teste facultou à época de autorização dos mesmos, que os fabricantes oferecessem serviço de registro dos resultados”.

“No entanto, não seria possível quantificar o grau de adesão já que por se tratar de iniciativa facultativa, a Agência não pode cobrar dos fabricantes tal implantação”, diz.

“Faca de dois gumes”

Para o epidemiologista e professor da Unifor (Universidade de Fortaleza), Antônio Lima Neto, a entrada em circulação no país dos autotestes “é como uma faca de dois gumes”.

“Você aumenta o acesso àqueles que podem comprar o autoteste e, em tese, espera que o isolamento seja uma opção do paciente. Mas para os casos leves que não demandem intervenção médica, realmente não teremos a informação [de casos positivos]”, diz.

O especialista acredita que, com o autoteste, a tendência é que apenas os pacientes que necessitem acompanhamento clínico busquem profissionais de saúde para confirmar diagnóstico. “Aí o médico deve notificar”, conta.

Por outro lado, com a redução e fechamento de locais de testagem pública da covid-19, as pessoas mais pobres continuarão sem acesso por dependerem do SUS (Sistema Único de Saúde). “O preço em torno de R$ 50 passa a ser impeditivo”, explica.

O professor da Faculdade de Medicina da Unesp (Universidade Estadual Paulista) em Botucatu e vice-presidente da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia), Alexandre Naime, acredita que os autotestes vieram como uma ferramenta importante no controle do vírus, mas também lamenta que não exista a notificação oficial dos casos.

“Essa informação seria importante, mas não se tem um fluxo de obrigatoriedade de comunicação entre a realização do teste e o seu resultado e a notificação às autoridades. É um ponto negativo”, diz.

Para ele, entretanto, a chegada dos autotestes acabam sendo um ponto positivo para suprir a falta de um programa de testagem nacional dos órgãos públicos.

“Seria fundamental a ampliação do diagnóstico de covid, mas infelizmente o setor público não promove isso de forma ampla e universal para todos os indivíduos. Nossa política de testagem apresenta falhas nas mais diferentes esferas”, completa.

Nesse cenário, o autoteste acaba sendo trazendo uma “redução de danos”, segundo Naime.

Chegamos a um momento em que se tem uma altíssima circulação e não temos nenhuma política efetiva de testagem. Então o autoteste acaba sendo uma alternativa para que pessoas sintomáticas façam uma tentativa de diagnóstico.

Alexandre Naime

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