ATO NO DOMINGO: Igrejas Católicas farão leitura conjunta de nota que repudia aborto em vítimas de estupro

No final da celebração da Eucaristia, no próximo domingo (23), será lido nas igrejas católicas da Paraíba um documento assinado pelos bispos do Conselho Episcopal Regional Nordeste 2, da CNBB, sobre o aborto e a posição da igreja católica sobre o caso da criança de 10 anos que interrompeu uma gestação causada por estupro, cometido pelo tio.

“O aborto é, por definição, a extinção de uma vida humana em seu estado nascente e sabemos, pela razão e pela fé, que suprimir uma vida humana inocente é um mal nunca justificado”, diz trecho do documento.

A Arquidiocese da Paraíba informou que a leitura da nota durante a missa é apenas uma recomendação, ficando cada responsável pelas igrejas livre para realiza-la, ou não.

“Não será uma ação, será um momento de leitura após a liturgia”, ressaltou. Além da Paraíba, o documento deverá ser lido em todas as igrejas de Alagoas, de Pernambuco e do Rio Grande do Norte.

Confira nota que será lida, na íntegra.

NOTA DOS BISPOS DO REGIONAL NORDESTE 2

“O maior destruidor da paz, hoje, é o crime cometido contra criança inocente que está para nascer. Uma criança é o mais belo presente que Deus dá a uma família, a um país e ao mundo inteiro”. (Santa Tereza de Calcutá – Discurso no Prêmio Nobel da Paz)

A cada dia, no Brasil, acontecem seis abortos em meninas entre 10 e 14 anos que foram estupradas. Neste contexto, acompanhamos, com o coração inquieto e perplexo, o caso da menina capixaba de 10 anos que, abusada no seio familiar, engravidou e, depois de 22 semanas, abortou, via concessão judicial. O aborto aconteceu no Recife (PE), cidade onde está a sede do nosso Regional Nordeste 2 da CNBB. A situação gerou polêmica por se tratar de um tema delicado e emocional, mas também se tornou uma oportunidade de reflexão sobre a vida e sobre os valores que a regem. Assim, também nós, membros do Conselho Episcopal Regional – CONSER, resolvemos manifestar nossa solidariedade aos que sofreram e sofrem por causa do abuso, e proferir uma palavra de encorajamento e esperança aos fiéis católicos que estão sob nossa responsabilidade moral e pastoral, e aos homens e mulheres de boa vontade, para que mantenham erguida a bandeira da paz e da inegociável defesa da vida.

Somos guiados pela Sagrada Escritura. Por isso, reafirmamos que a vida provém de Deus e deve ser defendida. Estamos atentos à integral proibição de se matar o inocente: “Não matarás!” (Ex 20,13), e à certeza de que aquele que virá à luz é um ser humano digno de toda atenção e cuidado (Ex 21,22-25). Defendemos a vida dos indefesos (Sl 82,3-4), pois tudo quanto fizermos a um pequenino, ao próprio Senhor o fazemos (Mt 25,40). Essa é a bênção da vida (Sl 127,3-5). Como bem cantou o salmista: “Teus olhos me viram ainda informe, e no Teu livro já eram escritos todos os meus dias; já eram desenhados quando nenhum deles ainda existia” (Sl 139,16).

O aborto é, por definição, a extinção de uma vida humana em seu estado nascente e sabemos, pela razão e pela fé, que suprimir uma vida humana inocente é um mal nunca justificado. A dignidade humana é o princípio inspirador de todos os demais, é guia para as Ciências e para o Poder Público em todas as suas expressões. Impõe-se, portanto, permitir que a vida humana nasça e atinja a plenitude possível. No embrião humano, por exemplo, já existe uma disposição da matéria para o desenvolvimento, segundo a espécie humana.

Ratificamos que “o ser humano deve ser respeitado e tratado como pessoa humana desde a sua concepção” (Donum Vitae, n. 1). Lamentamos que prevaleça atualmente, na sociedade, a tendência de se considerar o nascituro como simples resultado de um processo biológico ou sociocultural, favorecendo, com isso, a “cultura do descarte” (Evangelii Gaudium, n. 53), do “achismo” ou da pura arbitrariedade, causando a opressão dos fortes sobre os fracos, a popularidade de ideologias abortistas e a destruição do próprio ser humano.

A bioética secular, muitas vezes, busca uma saída para o dilema entre a liberdade materna e a vida da criança em gestação, negando a esta a existência e o direito à vida. O problema central é que, na gestação, não se trata de um só corpo. O embrião, que sem descontinuidade se torna feto, é um novo ser humano vivente em desenvolvimento, guiado por um genoma próprio, diferente daquele materno, ativo desde a concepção, e se realiza de modo autônomo, dia após dia, de forma coordenada, contínua e gradual. Transformar essa realidade em questões apenas técnicas é reduzir a dimensão ética à esfera do arbítrio de cada indivíduo e possibilitar um relativismo cruel e desumano.

A tutela da vida inviabiliza a prática do aborto, pois se trata de um indivíduo, uma pessoa humana que tem direitos assegurados pela Constituição Federal Brasileira (CF) e respeito garantido pela ética. Parece um contrassenso a CF assegurar a “dignidade da pessoa humana” (Art. 1º, III) e a “inviolabilidade do direito à vida” (Art. 5º, caput), e negar ao nascituro o pressuposto à fruição dessa dignidade, a saber, a própria vida.

Elementar que existem alguns casos excepcionais e lamentáveis, como no caso em questão, mas isso não altera o juízo ético sobre o aborto. Embora casos reais como este apresentem dificuldades reais e dramáticas de escolha, o valor da vida humana inocente não deve ser diminuído. Com o auxílio dos meios terapêuticos disponíveis hoje, no caso concreto da criança-mãe capixaba, dever-se-ia tentar preservar ambas as vidas, seja praticando as terapias disponíveis, seja monitorando de perto o progresso da gravidez, ou até mesmo antecipando o parto, assim que houvesse esperança de que a criança sobrevivesse. A ciência que realiza procedimentos neonatais e até intrauterinos chancelou essas possibilidades.

Não somos alheios à rejeição psicológica da maternidade decorrente da violência. Entretanto, infelizmente, no debate atual, o direito da mulher à autodeterminação, em relação à gravidez, se contrapõe ao direito à vida do nascituro. A referida criança, embora concebida em circunstâncias dramáticas, era inocente e sua vida deveria ser protegida como a de qualquer outro ser humano. A criança-mãe sofreu violência sexual, mas o aborto provocado não era a única solução. À violência sofrida não se deveria somar uma outra violência, de consequências físicas, emocionais e espirituais ainda não conhecidas para a criança-mãe.

Enfim, queremos manifestar que:

1. A decisão judicial que permitiu o aborto, mesmo se amparada no ordenamento jurídico nacional, é uma contradição com o direito inalienável à vida de todo ser humano, e, por isso, inaceitável;

2. Numa sociedade plural, nós também temos direito à expressão do pensamento e à reflexão sobre a ética da vida, sem sermos rotulados de “religiosos fanáticos”;

3. A insensibilidade das pessoas, por trás das mídias sociais, muitas vezes auxilia na formação de uma mentalidade que escolhe o pragmatismo em lugar de preservar os valores inalienáveis da dignidade humana;

4. Os culpados pelos nefastos crimes do abuso e do estupro devem ser identificados, responsabilizados e punidos pelo mal praticado;

5. A criança-mãe deve ser protegida, cuidada e bem orientada para seu pleno desenvolvimento humano;

6. Os profissionais da saúde, apelando para o legítimo direito de objeção de consciência, devem lembrar do solene juramento de Hipócrates: “A ninguém darei por comprazer, nem remédio mortal, nenhum conselho que induza à perda. Do mesmo modo, não darei a nenhuma mulher uma substância abortiva”.

Por fim, com o desejo de uma justiça restaurativa e não só punitiva, fazemos nossas as palavras do Papa Francisco: “a defesa do inocente nascituro deve ser clara, firme e apaixonada, porque neste caso está em jogo a dignidade da vida humana, sempre sagrada, e exige-o o amor por toda a pessoa, independentemente do seu desenvolvimento. Mas igualmente sagrada é a vida dos pobres que já nasceram e se debatem na miséria, no abandono, na exclusão, no tráfico de pessoas, na eutanásia encoberta de doentes e idosos privados de cuidados, nas novas formas de escravatura, e em todas as formas de descarte” (Gaudete et Exsultate, n. 101).

Decidimos que a presente nota seja lida em todas as igrejas do Regional Nordeste 2, no final da celebração da Eucaristia, no domingo, dia 23 de agosto de 2020.

Bispos do Regional Nordeste 2 da CNBB

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