DÓI? DÁ PARA NÃO PERCEBER? Especialistas esclarecem principais dúvidas sobre a morte

Mais cedo ou mais tarde, ela virá para todos, não há escapatória. E mesmo sendo a única certeza em nosso destino, para muitas pessoas é difícil lidar com o momento do adeus. Mas o que dizem os profissionais que no dia a dia atuam em hospitais, conhecem bem doenças e acompanham pacientes terminais? Como é o morrer? É algo doloroso? Dá para não perceber ou ter medo?

Para começar, todos concordam que uma pessoa é atestada clinicamente morta quando sofre uma parada cardiorrespiratória e, em decorrência, sem circulação e oxigenação, seu cérebro para.

“Nessa situação, se não forem realizados procedimentos de ‘ressuscitação’ em um prazo de cinco a dez minutos, os danos cerebrais tornam-se irreparáveis e a sobrevivência é nula”, afirma Marcelo Sampaio, cardiologista da BP – A Beneficência Portuguesa, em São Paulo.

Mas o contrário também pode configurar óbito, ou seja, quando o cérebro em sua totalidade apresenta cessação de fluxo sanguíneo regular, de controle definitivo das funções vitais e de atividade elétrica. É nessa condição (morte encefálica) que o coração pode ser mantido algum tempo a mais por aparelhos para que seja realizada a retirada dos órgãos para doação.

Experiências de quase-morte

Quando a consciência ou a vida de pacientes clinicamente mortos é recuperada por meio de massagens cardíacas e estimuladores elétricos, muitos afirmam ter lembranças dos minutos em que pararam de respirar e o cérebro não recebia mais oxigênio.

Desprendimento do corpo, luzes no fim de um túnel, sensação de acolhimento inexplicável. Os médicos chamam isso de EQMs (experiências de quase-morte), mas afirmam não terem reconhecimento científico.

Para Fabio Porto, neurologista do HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), não dá para garantir se são biológicas ou espirituais.

“Entre as hipóteses, poderiam desencadear esses fenômenos ou sensações a disfunção progressiva do cérebro por hipoperfusão (baixa irrigação sanguínea). Ninguém sabe também se é o córtex visual (que grava as imagens) simplesmente apagando, a ciência não tem certeza de tudo”.

Por isso, cada vez mais pesquisas sobre esse assunto estão sendo realizadas. Em 2014, pesquisadores da Universidade de Southampton, na Inglaterra, descobriram que cerca de 40% dos indivíduos que sofreram paradas cardíacas tinham EQMs e sugeriram que uma pessoa pode continuar com atividade cerebral até três minutos após seu coração parar por completo.

Algo parecido foi observado em outro estudo internacional sobre a fisiologia da morte e publicado este ano no New England Journal of Medicine. Cientistas monitoraram 631 pessoas enquanto morriam em 20 UTIs (unidades de terapia intensiva) de três países e descobriram que 14% mostraram alguma oscilação da atividade cardíaca após um período de falta de pulso.

Todos morreram, mas isso ajudou a entender como definir clinicamente a morte, que em vista disso consideraram estar mais para uma continuação do que o desligar de um botão.

Partir não é igual para todos

Algumas mortes podem ser dolorosas, outras imperceptíveis, ou quase imperceptíveis. Quando instantâneas, Sampaio explica que muito provavelmente não há consciência, ou uma percepção da dor, porque é inesperado e ocorre em fração de segundos, como nos acidentes aéreos e automobilísticos.

Já em se tratando de mortes por asfixia, envenenamento, infarto e hemorragias, geralmente são rápidas, mas envolvem sofrimento agudo e o grau disso vai depender de como ocorreram e se foram antecedidas por sintomas de minutos, horas ou dias.

“Sentimos ainda uma apreensão e depende da causa. Chamamos de ‘sensação de morte iminente’ os sintomas que acontecem durante uma labirintite aguda, uma dor de angina, um desmaiar. É um mal-estar que dá vontade de vomitar, ir ao banheiro depressa”, conta William Rezende, médico pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e neurologista da BP.

Mas cada morte tem suas particularidades. Sobreviventes de ataques cardíacos costumam relatar uma forte pressão no peito, como se um elefante estivesse deitado sobre ele.

Agora, consciente, acamado e com uma doença irreversível e degenerativa, o processo, além de lento e notado fisicamente, provoca profundas mudanças emocionais e psíquicas. Uns podem ficar depressivos, outros mais conformados e serenos e há quem se encha de esperança e euforia.

De causas naturais e dormindo

Por causas naturais, ou seja, não externas e nem violentas como por tiro, incêndio, trauma, a morte também pode ser menos estressante, ou mais tranquila.

Não à toa, também costuma ser relacionada a uma sensação de paz e a pessoas muito idosas, que tiveram uma vida boa e partiram para o lado de lá em decorrência do envelhecimento e da falência do coração.

Entretanto, esse tipo de falecimento também pode ocorrer em virtude de doenças crônicas, AVC, aneurisma, ataque cardíaco ou complicações decorrentes de infecções. Às vezes, é incerto qual condição causou a morte, ela pode ser o desfecho de uma somatória.

“Então, esse termo também acaba sendo um eufemismo para um motivo que não se sabe ao certo qual foi. Todo mundo morre de alguma coisa, o coração não para de bater sem mais nem menos”, diz Porto.

Partir durante o sono também não parece ser das piores experiências. Não se compara a estar sedado, mas o estado de consciência nesse caso é mínimo, ainda mais sonhando.

Em geral, são mortes súbitas e silenciosas, acompanhadas por convulsões discretas, como um arregalar de olhos, ou um movimento tônico de membros, explica Rezende. Mas pode ser que a pessoa se sinta mal, ainda acorde e só pife de vez com a passagem brusca do repouso para o levantar.

Não é preciso ter medo

Mas a morte não é uma ameaça, está mais para uma advertência de que somos finitos e por isso devemos aproveitar mais a vida e cuidar da saúde para, mesmo não havendo garantias, aumentar a chance de prolongar a nossa existência.

Segundo os médicos não faz sentido temê-la, porque é uma certeza incontornável e imprevisível, não está nas nossas mãos contê-la. Também é um momento da nossa história que cientificamente acontecerá uma única vez.

Contudo, não é por isso que deve ser tratada como um acontecimento indigno de atenção. Se de um lado a medicina avançou muito para facilitar o nascer, evitar complicações cirúrgicas e de parto e garantir bem-estar para mãe e bebê, do outro tem a mesma dedicação para que a terminalidade seja sem sofrimento e tranquila e nesse sentido aposta em cuidados paliativos.

“O momento da morte, ou que o antecede após o diagnóstico, não precisa ser ruim. É preciso ter qualidade de vida enquanto está vivo. Para isso, os médicos precisam ter sensibilidade para dar suporte e aliviar sintomas. Nesse sentido, medicações podem ser ajustadas para que o paciente não sinta febre, náuseas, dor e faleça de forma o menos desconfortável possível”, conclui Natan Chehter, geriatra da SBGG (Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia).

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