MOTOBOYS AMEAÇADOS: Vaza áudio de operador do Ifood ameaçando entregadores que aderirem a greve

“A gente não se envolve em manifestação. Se você estiver com adesivo [de protesto] na sua bag, por favor, vou estar pedindo para você tirar. Se você não estiver contente trabalhando comigo, no sistema OL, vem aqui, me procura, que eu pego você e jogo na nuvem e você se vira na nuvem.”

Um áudio que circula em grupos de motofretistas no WhatsApp, ao qual a reportagem teve acesso, mostra ameaças a entregadores do iFood que cogitam participar da paralisação nacional marcada para esta quarta (1), em protesto contra os aplicativos de delivery. James, Loggi, Rappi e Uber Eats também são alvos do movimento.

O autor da mensagem é um Operador Logístico (OL) – uma espécie de empreiteiro terceirizado pelo iFood que subcontrata motoboys para fazer as corridas. Ao contrário do sistema conhecido por “nuvem”, em que os entregadores se cadastram no aplicativo e aceitam ou não as corridas que aparecem na tela do celular, os motofretistas no regime OL têm horários a cumprir e ficam subordinados a um administrador responsável pelo atendimento de uma área restrita. Dessa maneira, garantem mais serviço.

“Nós, entregadores OL, somos diferenciados. A gente é outra qualidade de entregador. O pedido chegou na nossa mão, o pedido tem que chegar na mão do cliente. Entregador OL não se envolve em nenhum tipo de manifestação”, reforça o áudio.

Por meio de sua assessoria de imprensa, o iFood – que recebeu da reportagem a transcrição do áudio – afirmou, em nota, que “defende o direito à livre manifestação. Não punimos ninguém por protestar. Esperamos dos OLs o mesmo compromisso com a liberdade de expressão”.

De acordo com Rodrigo Carelli, procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT) e professor de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o sistema OL baseado na terceirização pode trazer mais segurança jurídica às plataformas do que o modelo de “nuvem”, hoje consagrado pelos aplicativos. Popularmente chamado de “uberização”, o modelo de nuvem ainda está sujeito a questionamentos na Justiça sobre a existência de vínculo empregatício.

Com a aprovação da terceirização irrestrita pelo Congresso Nacional, e confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o sistema OL deve ganhar força. “Agora os aplicativos têm duas cartas na mão. Se não colar uma, cola a outra”, analisa Carelli.

O procurador acredita que o regime OL pode dificultar ainda mais o reconhecimento de direitos dos entregadores na Justiça. “Pela regra, você tem que ajuizar ação contra o empregador direto, que seria o OL. Imagina responsabilizar o OL, um “gato”, explorado como os outros? É propositalmente perverso”, completa.

Um dos maiores especialistas do país sobre uberização, Carelli analisa em entrevista o movimento grevista que reclama aumento no valor das corridas, fim dos bloqueios de entregadores e melhores condições de trabalho. E afirma que o reconhecimento do vínculo empregatício, ainda que não esteja na pauta de reivindicações, é a única garantia efetiva de direitos. “Senão, eles vão conseguir no máximo concessões pontuais que logo serão desfeitas”, afirma.

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