VERDADE OU FAKENEWS: O que sabe sobre caso do PM morto na Bahia após atacar colegas durante ‘surto’

A morte de um soldado da Polícia Militar da Bahia em meio a um aparente surto, no qual ele atirou diversas vezes para cima e contra outros policiais, se tornou parte de uma ofensiva da base bolsonarista que chega a pregar motim contra o governador baiano, Rui Costa (PT), por causa de medidas restritivas para combater o coronavírus.

O soldado Wesley Soares foi morto por agentes do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) após 3h30 de negociações sem sucesso. Pouco antes de ser atingido, ele disparou com um fuzil pelo menos dez vezes contra agentes que cercavam a área do Farol da Barra, em Salvador.

“O soldado alternava momentos de lucidez com acessos de raiva, acompanhados de disparos. Além dos tiros de fuzil, o soldado arremessou grades, isopores e bicicletas, no mar”, afirmou a Secretaria de Segurança Pública da Bahia, em comunicado sobre o caso.

“Aproximadamente às 18h35, o soldado verbalizou que havia chegado o momento, fez uma contagem regressiva e iniciou os disparos contra as equipes do Bope.”

O comandante do Bope, major Clédson Conceição, afirmou que “buscamos, utilizando técnicas internacionais de negociação, impedir um confronto, mas o militar atacou as nossas equipes. Além de colocar em risco os militares, estávamos em uma área residencial, expondo também os moradores.”

Ele foi levado ferido para o Hospital Geral do Estado (HGE), mas não resistiu aos ferimentos e morreu por volta das 22h30.

Soares não era lotado em Salvador, mas em um batalhão da Polícia Militar em Itacaré, no litoral sul do Estado, a 250 km de Salvador.

Segundo a Secretaria de Segurança Pública, o episódio teve início quando o PM começou a atirar de dentro do carro na avenida Sete de Setembro, no centro da capital baiana, e passou a ser alvo de uma perseguição policial. Ele fugiu por quase 5 km até o Farol da Barra, onde desceu do carro e passou a repetir frases e disparar para o alto.

“Comunidade, venha testemunhar a honra ou a desonra de um policial militar do Estado da Bahia.” Em outro vídeo, ele afirma “Não vou deixar, não vou permitir que violem a dignidade e honra do trabalhador.”

Diversos vídeos do episódio viralizaram pelas redes sociais desde a tarde de domingo. Há registros do soldado atirando para o alto e contra outros policiais, do PM repetindo palavras de ordem e do momento em que ele é morto.

Circulam também nas plataformas, principalmente em grupos bolsonaristas, reações atribuídas a policiais militares da Bahia, como apoio a uma greve da categoria, o que é proibido por lei.

Politização do caso

Material compartilhado em redes insinua, sem provas, que o PM morto teve um surto psicótico porque se recusou a seguir ordens de Rui Costa em torno das medidas de restrição à circulação de pessoas, como forma de conter o avanço do coronavírus no Estado. Ao menos 15 mil pessoas morreram pela doença na Bahia, onde a ocupação dos leitos UTI chega a 87%.

O governo baiano adotou até 5 de abril uma série de restrições contra aglomerações, como o fechamento de serviços não essenciais e um toque de recolher das 18h às 5h em todos os 417 municípios.

“Soldado da PM da Bahia abatido por seus companheiros. Morreu porque se recusou a prender trabalhadores. Disse não às ordens ilegais do governador Rui Costa da Bahia. Esse soldado é um herói. Agora a PM da Bahia arou. Chega de cumprir ordem ilegal!”, escreveu no Twitter a deputada federal bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF), presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Ela apagou o tuíte horas depois.

Não há provas, até o momento, de que Soares tenha agido por ter se recusado a cumprir ordens em torno da pandemia. O governador Rui Costa se tornou alvo de bolsonaristas e do próprio presidente Bolsonaro, que recorreu ao Supremo Tribunal Federal contra restrições adotadas por Costa no Estado. A ação, no entanto, foi rejeitada na Corte.

O senador Angelo Coronel (PSD-BA), presidente da CPI das Fake News, criticou Kicis. “Absurdo uma parlamentar querer politizar um fato dessa natureza e ainda falta com a verdade postando que a PM parou. Precisamos nos unir em busca de salvar vidas imunizando o povo brasileiro com mais celeridade. O momento não comporta factoides em busca de clicks.”

Para o criminalista Davi Tangerino, professor de direito da FGV-SP e da Uerj, Kicis comete crime ao incitar a PM a fazer motim e desobedecer ordens do governador baiano. “É espantoso que a Presidente da CCJ estimule a aplauda sublevação da polícia, minando o federalismo, agudizando a pandemia. Se não é quebra de decoro, nada mais será”, escreveu o especialista no Twitter.

E conclui: “Alguém em sã consciência acha que um PM mataria outro só por que teria se recusado a prender os infratores sanitários?”

Wilson Gomes, professor titular de Teoria da Comunicação da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e autor de um livro sobre a chegada da extrema-direita ao poder, escreveu: “Transformar um transtorno mental em uma causa política e uma pessoa em padecimento psíquico em herói do bolsonarismo é infame. Os urubus do bolsonarismo usam qualquer cadáver para alimentar os seus monstros, não têm respeito por nada.”

Em Salvador, o deputado estadual Marco Prisco (PSC), que já liderou três movimentos grevistas de policiais militares na Bahia, defendeu greve geral da PM e da Polícia Civil da Bahia e convocou uma manifestação “pacífica e ordeira” em homenagem ao agente morto para esta segunda-feira (29/3).

Em vídeos gravados em frente ao hospital para o qual Soares foi levado após ser baleado, Prisco aparece acompanhado de outros agentes de segurança sem farda pedindo orações por Soares, convocando protestos e afirmando que “a hora é agora.” Registros feitos em frente ao hospital também mostram um grupo gritando “a PM parou”. É possível ver no vídeo diversas pessoas com camisetas da Polícia Civil baiana.

É possível encontrar também manifestações de apoio ao soldado morto em outros Estados. “Wesley representa policiais que estão sendo obrigados a atender os desmandos do Governo, porque a desobediência gera prisão, demissão e custa até a vida! Não é nada fácil! Vidas policiais importam!”, escreveu Sargento Reginauro (Pros), vereador de Fortaleza.

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