‘COMECE A GANHAR DINHEIRO AMANHÃ’: Como cartel usava Facebook para recrutar assassinos de aluguel

“Não tem emprego? Não precisa ter experiência. Nós oferecemos treinamento e você começa a ganhar amanhã”. Apesar da pinta de anúncio do LinkedIn, a frase é uma das postagens de emprego compartilhadas no Facebook pelo CJNG, Cartel de Jalisco Nova Geração, uma das maiores organizações criminosas do México.

A rede social era uma das ferramentas usadas pelo grupo para recrutar assassinos e vendedores de drogas no México, segundo observou uma equipe de segurança do Facebook, que tentava descobrir como organizações criminosas atuavam por meio de suas plataformas — além da rede social, o Messenger e o WhatsApp.

Os detalhes da investigação estão nos Facebook Papers, conjunto de documentos sobre a rede social, vazados pela ex-funcionária da empresa Frances Haugen.

“Indivíduos pertencentes a esta rede [de criminosos] estavam abertamente recrutando pessoas, incluindo menores e mulheres, para serem sicários [assassinos de aluguel] para o cartel”, informa o documento. Apesar da forte atuação na América do Norte, a Polícia Federal do Brasil já detectou a presença de membros da organização em território nacional em 2020.

Como resultado dessa investigação de grupos criminosos, diz o relatório, o Facebook afirmou ter derrubado 427 ‘ativos’ relacionados ao cartel no segundo semestre de 2020.

A Meta (grupo dono do Facebook) diz que “não permite a presença de organizações criminosas” e que a companhia remove “elogios e demonstrações de apoio” a esses grupos, quando a empresa toma conhecimento da existência deles.

Contudo, em reportagem de setembro de 2019, o Wall Street Journal chegou a detalhar que, apesar da equipe de segurança do Facebook ter descoberto a rede, as páginas não foram removidas imediatamente e que a plataforma deveria melhorar seus mecanismos de banimento. A publicação norte-americana notou que ainda havia páginas deliberadamente promovendo o cartel mesmo após a descoberta.

A gigante das redes sociais afirmou que não comenta todas as ações que toma contra grupos criminosos e que trabalha com “especialistas globais” na investigação dessas organizações. Como resultado desse trabalho, a plataforma passou a designar os cartéis mexicanos como organizações criminosas, removendo perfis, páginas, grupos e contas do Instagram vinculados a eles.

Modus operandi

O CJNG é considerado um dos cartéis mais violentos do México, cujas operações se concentram em sequestros, assassinatos de inimigos e agentes públicos e o tráfico de drogas para os Estados Unidos.

No relatório interno, a equipe de segurança do Facebook informa que “os recrutadores criavam grupos em nome do CJNG com o único propósito de achar potenciais candidatos”.

De modo geral, os alvos dos criminosos eram:

  • homens e mulheres com idade entre 14 e 20 anos;
  • pessoas com baixas condições econômicas e sociais;
  • pessoas que seguiam páginas e grupos que idolatram o estilo de vida dos narcotraficantes.

O sistema para atrair pessoas era tão complexo que o documento descreve a existência de um esquema paralelo de recrutamento. Algumas pessoas se candidatavam para auxiliar na busca de potenciais “funcionários” — praticamente, um head hunter, pessoa responsável por indicar pessoas “mais apropriadas” para as posições.

Uma vez que os interessados respondiam às postagens, os recrutadores faziam contato direto via Facebook Messenger ou WhatsApp.

Nessa interação, havia a coordenação do recrutamento. Muitas vezes, eram marcados encontros em lugares públicos e passagens eram enviadas para quem fosse direcionado para centros de treinamento.

Chegando no local, alguns candidatos eram forçados pelo cartel a trabalharem sem pagamento sob ameaça de assassinar a família deles, diz o relatório, citando relatos jornalísticos feitos pela mídia mexicana. Quem arriscasse deixar o centro de treinamento, poderia ser espancado ou morto pela organização criminosa.

Apesar das descobertas, a equipe de segurança do Facebook relata “desafios” para investigações. O principal deles tem relação com criptografia.

Além de citar o uso do WhatsApp para os “arranjos finais” do recrutamento, o relatório cita que a disponibilidade de criptografia de ponta a ponta no Messenger e mesmo em mensagens no Instagram “podem afetar nossa visibilidade nos estágios de coordenação e exploração”.

Vale lembrar que quando há criptografia de ponta a ponta, não é possível interceptar uma conversa, pois o conteúdo só é “decodificado” em uma das pontas da conversa.

Para combater criminosos que abusam da plataforma, a Meta diz investir em inteligência artificial. Além disso, quando há risco iminente de perigo, a companhia diz que compartilha informações com as autoridades do país.

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