Reforma eleitoral ignora medidas contra desinformação nas redes para 2024

No que depender do Congresso Nacional, as portas das redes sociais seguirão entreabertas para disseminação de conteúdo digital durante as eleições municipais de 2024 que pode resultar em campanhas impregnadas de desinformação e propagação de material falso.

Mesmo considerando o tema um “assunto grave”, o grupo de trabalho responsável por elaborar a minirreforma eleitoral, um pacote de propostas que altera regras para as próximas eleições, optou por deixar a discussão sobre desinformação de fora das mudanças. As possíveis vedações que poderiam ser adotadas para limitar a distribuição de informações falsas não entraram no texto, que deve ir ao plenário da Câmara dos Deputados nesta quarta-feira (13).
O relator da proposta, deputado Rubens Pereira Júnior (PT-MA), deixou claro que a sua intenção foi a de, propositalmente, não tocar no tema da desinformação digital durante as eleições, por considerar o assunto “controvertido” e passível de esbarrar em resistência de parlamentares durante as votações.
“Nós fugimos dos pontos mais controvertidos, como, por exemplo, combate às ‘fake news’ e volta do financiamento empresarial. Fugimos desses pontos para poder ter uma pauta consensual e ter a certeza de que vamos aprovar diversos pontos dessa minirreforma eleitoral”, comentou Pereira Júnior, ao apresentar seu parecer à imprensa na última segunda-feira (11).
O maior avanço da minirreforma, segundo o parlamentar, é ser “pequena, consensual e de simplificação” do processo eleitoral. “O Congresso Nacional está dando um recado à sociedade dizendo: o nosso sistema eleitoral é bom, precisa de pequenos ajustes. As grandes mudanças já foram feitas, falta só agora aperfeiçoar.”
Pereira Júnior admitiu que, em sua avaliação pessoal, seria “positivo” que regras a respeito do assunto tivessem sido incorporadas, mas entendeu que isso inviabilizaria a aprovação do texto. “Não entrou. Esse debate da desinformação é tão importante que precisa ser feito à parte e específico, e não na urgência de uma minirreforma”, argumentou.
Se for aprovado pelo plenário da Câmara nesta semana, o texto seguirá para análise do Senado e posterior sanção pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O objetivo é que a votação seja concluída antes do dia 6 de outubro, data limite para que as mudanças possam valer para o pleito do ano que vem.
Com a minirreforma eleitoral, Rubens Pereira Júnior afirma que será possível fazer “pequenos ajustes” e preencher “lacunas”, reduzindo questionamentos judiciais e abusos por parte das candidaturas.
O número de candidaturas dá uma ideia do potencial de circulação de material falso pelas plataformas digitais. A previsão é de que as eleições municipais envolvam a participação de cerca de 500 mil candidatos em todo o país. 

Frustração

A omissão sobre regras que tratem da disseminação de conteúdo falso nas redes frustrou a Sala de Articulação contra a Desinformação (SAD), uma iniciativa que reúne dezenas de organizações da sociedade civil com o objetivo de propor respostas a problemas decorrentes de campanhas de desinformação online no Brasil.
A SAD enviou uma Carta aos deputados que compõem o grupo de trabalho que discute a reforma, assinada por 23 organizações, com quatro sugestões para cobrar regras claras sobre a utilização de propaganda na internet durante a campanha eleitoral. No documento, o grupo pediu que ferramentas de busca, redes sociais e outras plataformas digitais que ofereçam espaço de anúncios políticos e serviços para impulsionar publicações fossem obrigadas a tornar disponíveis as chamadas “bibliotecas de anúncios”, o que permitiria saber quem está contratando cada serviço e que plataforma está oferecendo divulgação.
Sobre o disparo em massa de conteúdo partidário, as instituições solicitaram a vedação de qualquer formato de conteúdo, em qualquer plataforma, que não tivesse o consentimento prévio do destinatário. Foi requerida, ainda, a adoção de medidas para proteger mulheres contra violência política online e a proibição de propaganda eleitoral na internet a partir das 48 horas que antecedem a eleição, até 24 horas depois do pleito. Nada disso, porém, está previsto até o momento.
Pelo regimento da Câmara, haveria chance de os itens serem incluídos no texto do relator, seja por meio de emendas ou destaques, como são chamadas as mudanças que podem ser incluídas após a aprovação do texto base apresentado pelo relator. A mobilização entre a maioria dos parlamentares, porém, é para que essas restrições não sejam aprovadas.
“Não vou dizer que não deixou de ter avanços. Deixou. Mas o ambiente político não permitiu discutir um assunto tão grave, de forma tão rápida”, disse Pereira Júnior.
O estrago que campanhas de mentiras podem fazer por meio das redes e plataformas digitais tem sido detectado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) há várias eleições, tendo impacto elevado nos pleitos de 2018, 2020 e 2022. A profusão de material falso e impulsionado irregularmente por políticos e grupos de interesse levou o Supremo Tribunal Federal (STF) a instaurar, em março de 2019, o chamado Inquérito das Fake News, por determinação do então presidente da Corte, ministro Dias Toffoli.
O processo tem a relatoria do ministro Alexandre de Moraes e segue em andamento até hoje, tendo se desdobrado em cinco eixos: ataques virtuais a opositores; ataques às instituições (STF, TSE), ao sistema eletrônico de votação e à higidez do processo eleitoral; tentativa de golpe de Estado e de abolição violenta do Estado democrático de direito; ataques às vacinas contra a Covid-19 e às medidas sanitárias na pandemia; e uso da estrutura do Estado para obtenção de vantagens.
A capacidade de propagação de informações falsas pelas redes sociais fica mais evidente quando considerado o universo que elas podem atingir. Hoje, o Brasil possui 181,8 milhões de usuários ativos de internet, sendo o terceiro país do mundo que mais usa serviços de redes sociais e o sexto com maior média de tempo gasto nelas. De cada 100 domicílios do país, 82% têm algum tipo de acesso à internet.

Vamos com o que temos

Advogado especialista em direito eleitoral e doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC São Paulo, Alexandre Luís Mendonça Rollo afirma que a criação das bibliotecas de anúncios ajudaria a evitar abusos. “As plataformas que lucram com campanhas eleitorais precisam ter maior transparência”, avalia. Quanto aos disparos em massa, porém, o especialista afirma que já há regulamentação do TSE sobre o tema. “Se a proposta é incorporar essas regras na lei, também sou a favor, mas se o Congresso não o fizer, não haverá maiores prejuízos, por conta de normas já existentes”.
Rollo menciona itens da Resolução nº 23.610 do TSE, de 2019, que veda a contratação de impulsionamento e de disparo em massa de conteúdo; que proíbe a venda de cadastros com endereços eletrônicos e telefones e informações por telemarketing.
A respeito da proposta de adoção de medidas para proteger mulheres contra violência política online, o especialista afirma que, mesmo que a ideia não entre no texto, a proposta atual da minirreforma prevê a alteração de um artigo do Código Eleitoral (artigo 326-B) que engloba essa proteção de assédio “por qualquer meio”, o que inclui o assédio online, englobando candidatas e – o que é novo – as pré-candidatas.
Para Rollo, mesmo que o Congresso se omita em relação a esses temas, a atual legislação eleitoral, com suas leis e resoluções, já deu sinais de que pode “dar conta do recado”, a exemplo do que ocorreu nas eleições de 2022. “Houve combate intenso da Justiça Eleitoral contra a desinformação. As novas resoluções para 2024 poderão aperfeiçoar ainda mais as regras e suprir eventuais brechas ainda existentes”, diz.  
                                               
Bruno Bioni, sócio fundador da Bioni Consultoria e diretor do Data Privacy Brasil, lembra que, mesmo antes da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) entrar em vigor, o TSE já vinha, desde os pleitos de 2020, fixando regras específicas sobre proteção de dados em suas resoluções. “Para este novo pleito, é desejável que o tema ganhe ainda mais musculatura”, afirma.
Nas primeiras ondas normativas, foram estabelecidas algumas regras básicas, como o disparo de mensagem somente mediante o consentimento do eleitor, garantindo ainda o seu direito de descadastramento. “Espera-se, agora, que obrigações mais específicas de prestação de contas ganhem tração, como um inventário de dados, maior transparência sobre quem faz parte da cadeia de tratamento de dados para o direcionamento de propaganda e relatórios de impacto à proteção de dados”, analisa Bioni.
Na Câmara, ficou acertado com o deputado Rubens Pereira Júnior que seu texto será dividido em dois projetos e que ambos ganharão requerimento de urgência, para que possam ir direto ao plenário. Serão um projeto de lei (PL) e um projeto de lei complementar (PLP), conforme os temas que serão tratados. A divisão ocorre porque há trechos que mudam uma lei ordinária e outras que mudam uma lei complementar.

Mudanças

proposta da minirreforma eleitoral, que deve ir à votação nesta quarta-feira (13) em plenário, flexibiliza as regras sobre a inelegibilidade de candidatos, diminuindo a contagem do prazo para a perda de mandato e restringindo a inelegibilidade por improbidade administrativa. Entre outros pontos, o texto também altera as datas do calendário eleitoral, permite que o candidato use verbas próprias em sua campanha, cria regras para distribuição de recursos de fundos partidário e eleitoral para campanhas femininas, abrindo brechas para que verbas sejam usadas com candidatos homens e prevê mudanças nos critérios e punições aplicadas a irregularidades partidárias.
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