INDIOCIATA É FAKE: Líder indígena explica que jovens desrespeitaram cerimônia póstuma com álcool e uso de cartaz

Um vídeo desmente postagens dos filhos do presidente Jair Bolsonaro (PL) de que houve uma “indiociata” durante as festividades do Kuarup, um dos mais importantes rituais indígenas do Parque do Xingu, em Mato Grosso.

O termo é uma menção ao costume de bolsonaristas se reunirem em “motociatas” ou “lanchaciatas”.

O que os filhos do presidente postaram? Nesta semana, Carlos e Flávio Bolsonaro publicaram um vídeo, gravado no último dia 21, que mostra dois indígenas carregando uma bandeira da campanha à reeleição do presidente.

“Nossos indígenas são Bolsonaro!”, disse Flávio no post, que também foi compartilhado por Marcelo Xavier, presidente da Funai (Fundação Nacional do Índio).

 

 

Bandeira removida e tumulto. Mas imagens mostram que a cena não foi exatamente como eles descreveram. Poucos instantes depois da cena divulgada nas redes sociais, a bandeira foi removida por uma liderança indígena e houve um princípio de confusão.

Watatakalu Yawalapiti, ativista indígena e uma das lideranças do local, foi até os rapazes que empunhavam o cartaz e pediu para eles o soltarem. Eles negaram, e a mulher agarrou a bandeira. Outras pessoas correram ao local e pediram para eles “respeitarem a dona da festa”.

Ritual indígena. O Kuarup é uma cerimônia que celebra a vida de pessoas que foram importantes para a comunidade e morreram recentemente. Uma das homenageadas foi a mãe de Watatakalu, que morreu vítima de covid-19.

“A vacina foi negada a ela por este governo”, afirma. “Quando vi o cartaz do Bolsonaro, que eu considero culpado por todas as coisas ruins que aconteceram ao nosso povo, não acreditei. Todo mundo ficou paralisado, porque fazer isso em um Kuarup é um desrespeito muito grande.”

Segundo ela, houve gritos de apoio à sua atitude de remover a faixa. “Teve manifestação de todo mundo ali presente batendo palma para ela”, afirmou Amairé Kaiabi Suiá, que também estava no local. Outros dois presentes corroboraram a informação.

O ato teria sido influenciado por “dois ou três” indígenas que apoiam Bolsonaro, mas não moram na aldeia, segundo Watatakalu. Eles não foram identificados.

Liderança pede desculpa. Os jovens que levam o cartaz, da etnia Kamayurá, teriam ganhado bebida alcoólica, segundo áudio de uma das lideranças do povo, Takuman Pereira Kamayurá, enviado a um grupo de WhatsApp do Xingu —e ao qual a reportagem teve acesso.

“Meu povo levou cartaz do Bolsonaro, eu fiquei triste, fiquei muito envergonhado”, diz ele. “Não é o meu povo, são duas ou três pessoas que ficam trazendo cartazes e até mesmo bebida para o meu povo. Olha que vergonha isso. Trouxeram bebida no meu acampamento para eles ficarem bebendo e no dia seguinte ter coragem de segurar aquele cartaz.”

“Não é todo mundo que apoia Bolsonaro aqui em Kamayurá, é só a minoria, só quatro pessoas”, continuou.

Watatakalu afirma que está conversando com advogados para pedir que os filhos do presidente removam os vídeos de suas redes sociais.

Imagina só, você ir a um funeral e fazer campanha em cima da morte de alguém?”Watatakalu Yawalapiti, líder indigena

Ela afirmou que foi procurada depois por um dos jovens que empunharam a bandeira, que se desculpou e disse que não queria ofender.

Ainda de acordo com a liderança, o povo Kamayurá não deve ser convidado para o próximo ritual do Kuarup, a ser realizado nos próximos dias.

A reportagem tentou entrar em contato com Carlos, Flávio Bolsonaro e a Funai, mas ainda não recebeu resposta.

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