ANTIVACINA: Grupos ‘vendem’ registro falso de vacinação em redes sociais

esquema de falsos registros de vacinação contra a covid-19, inseridos nos sistemas do Ministério da Saúde, não é algo exclusivo de políticos – como o caso do ex-presidente Jair Bolsonaro, investigado pela Polícia Federal por burlar restrições sanitárias adulterando seu certificado de vacinação. Há grupos abertos na internet que anunciam a venda desse serviço, para que pessoas “se livrem do veneno” e fiquem com o registro das doses em dia.

Em buscas por grupos abertos no Telegram – aplicativo de mensagem reconhecido por ter uma política de moderação de conteúdo quase nula e pouca transparência para com as autoridades brasileiras -, a imprensa encontrou diversas trocas de mensagens de pessoas que se dizem capazes de inserir dados falsos de vacinação diretamente pelo sistema DataSUS.

O ‘serviço’ é personalizado. Anúncios indicam que a pessoa pode escolher quantas doses da vacina quer registrar, as datas de vacinação e, também, qual será o fabricante das doses. As mensagens, publicadas por perfis anônimos, explicam que o registro é feito por profissionais de saúde que têm acesso ao sistema, de forma interna.

Tudo isso tem um custo, que pode chegar a R$ 800 a “imunização completa” – em alguns casos, já incluindo a possibilidade da dose da Pfizer bivalente. Há quem anuncie uma dose por R$ 150 e quatro por R$ 300, em um “promoção relâmpago”. Esse é o “valor da liberdade” para as pessoas que se recusaram a se vacinar – contrariando o indicado pelo Organização Mundial da Saúde (OMS) e pela comunidade científica, como um todo.

Na maior parte dos anúncios, os “vacinadores”, como alguns se intitulam, permitem que o pagamento seja feiro depois que as doses constem no ConectSUS, sistema que permite a geração do comprovante de vacinação em PDF, com QR-Code de comprovação. Porém, se o pagamento não for feito, estes anunciantes dizem que a dose será retirada do sistema.

Há mensagens do tipo publicadas tanto nos meses de agravamento da pandemia como em poucos dias antes da Polícia Federal deflagrar a Operação Venire, que investiga atuações criminosas do tipo, de inserção de dados falsos de vacinação contra a covid-19 nos sistemas SI-PNI (Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunizações) e RNDS (Rede Nacional de Dados em Saúde) do Ministério da Saúde.

“Ponta do iceberg”

O cientista de dados Marcelo Oliveira, programador que atua no Infovid e que encontrou os registros de vacinação de Jair Bolsonaro no DataSUS antes da Operação Venire vir a público, acredita que isso tudo é apenas “a ponta do iceberg”.

Ele pontua que deve ter diversas pessoas públicas que se posicionam como anti-vacina mas que, em meio às restrições sanitárias, viajaram para países como os Estados Unidos – que requerem a certificação da vacina. Então ou elas se vacinaram, ou forjaram o passaporte vacinal.

Por conta dessa descentralização do sistema, onde pessoas podem inserir dados falsos de vacinação – mesmo que de forma rastreável -, Marcelo vê o exame biológico como único jeito de provar que uma pessoa foi vacinada.

Todos podem ser identificados

De acordo com o Ministério da Saúde, não há nenhum registro de invasão externa nos sistemas do governo. Sendo assim, todos os registros realizados foram feitos com o uso de logins e senhas fornecidos pelo próprio ministério. Segundo a pasta, todos os dados são rastreáveis e auditáveis – pois, mesmo se ‘excluídos’, continuam constando no sistema.

No caso da investigação em torno dos registros do ex-presidente Jair Bolsonaro, por exemplo, a Polícia Federal solicitou os dados completos em torno do lançamento feito e chegaram aos nomes de quem cadastrou as doses e, também, de quem excluiu os registros apontando ‘erro’.

Como as mensagens de supostas vendas de registros,  não contêm dados concretos – como o nome de posto de saúde em que os dados são lançados, o nome de algum profissional de saúde envolvido ou, então, algum dado referente à pessoa que teria fraudado a carteira de vacinação -, não foi possível solicitar informações complementares sobre os casos ao Ministério da Saúde.

Além disso, questionado sobre essas mensagens de possíveis fraudes, o Ministério da Saúde não se pronunciou por conta das investigações da Operação Venire estarem em andamento. A pasta colabora com a Polícia Federal e afirma seguir à disposição das autoridades.

Bolsonaro e os registros suspeitos

Assim como sustentou durante seu mandato como presidente, Jair Bolsonaro continua negando ter tomado qualquer vacina contra a covid-19. Mesmo assim, o político viajou para os Estados Unidos no fim do ano passado, e a legislação norte-americana exige a comprovação da imunização contra a doença para estrangeiros entrarem em solo americano.

Em meio a isso, a Operação Venire investiga inserções falsas de registros de vacinação contra a covid-19 nos sistemas do Ministério da Saúde entre novembro de 2021 e dezembro de 2022, que teriam sido feitos com o propósito de burlar restrições sanitárias vigentes – como as impostas pelo Brasil e Estados Unidos.

O relatório da operação feito pela Polícia Federal – que teve seu sigilo retirado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) -, aponta quatro registros de vacinação contra a covid-19 na RNDS, do Ministério da Saúde, referentes à Família Bolsonaro.

As aplicações estão no nome do ex-presidente Jair Bolsonaro e a de sua filha Laura. Essas aplicações teriam ocorrido em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, e, nas datas tidas como as das aplicações, Bolsonaro estava no Rio de Janeiro. Em todos os casos, houve ocorrência de exclusão dos registros por ‘erro’.

Confira os detalhes:

  • 22h07 de 21 de dezembro de 2022: No nome de Bolsonaro, foi registrada a suposta primeira dose de Pfizer. A aplicação teria sido feita no dia 13 de agosto do ano passado, quatro meses antes do dado ter sido enviado ao Ministério da Saúde.
  • Exclusão: 20h59 de 27 de dezembro de 2022, segundo relatório da PF.
  • 22h08 de 21 de dezembro de 2022: Cerca de um minuto depois aparecem os dados da suposta segunda dose de Pfizer direcionada a Bolsonaro. A aplicação teria ocorrido no dia 14 de outubro do ano passado.
  • Exclusão: 20h59 de 27 de dezembro de 2022, segundo relatório da PF.
  • 22h16 de 21 de dezembro de 2022: Na sequência, foi inserido o registro da suposta primeira dose, da Pfizer, em Laura Bolsonaro. A aplicação teria ocorrido no dia 24 de julho do ano passado.
  • Exclusão: 20h59 de 27 de dezembro de 2022, segundo relatório da PF.
  • 2h21 de 22 de dezembro de 2022: Durante a madrugada entrou o último registro, o da segunda dose de Pfizer em Laura Bolsonaro. A aplicação teria sido no dia 13 de agosto do ano passado, mesma data em que Jair Bolsonaro teria tomado sua primeira dose da vacina.
  • Exclusão: 20h59 de 27 de dezembro de 2022, segundo relatório da PF.

Há outro registro que não consta no relatório da PF, mas que segue sendo investigado pelo órgão e pela Controladoria-Geral da União (CGU). Trata-se de uma adulteração no cartão de vacinação de Jair Bolsonaro feita em São Paulo. Neste caso, diferente do que apontam os supostos dados falsos inseridos em Duque de Caxias, as evidências indicam se tratar de um ato de vandalismo contra o ex-presidente.

Foi registrada como aplicada no dia 19 de julho de 2021 uma dose única da Janssen em Jair Bolsonaro. A data de inserção no sistema foi em 14 de dezembro de 2021. Tudo teria ocorrido na Unidade Básica de Saúde Parque Peruche, na zona norte de São Paulo. Dados da suposta carteira de vacinação de Bolsonaro vazaram no início deste ano.

Ao tomar conhecimento do registro, no dia 9 de janeiro, representantes da Secretaria de Saúde da Prefeitura de São Paulo registraram um boletim de ocorrência por falsidade ideológica. No documento, obtido pelo Terra, consta que o lote da vacina registrada não foi recebido pelo município, assim como a profissional que supostamente teria aplicado a dose nunca trabalhou na unidade de saúde em questão.

Além disso, a Prefeitura de São Paulo chama a atenção para o email lula@gmail.com cadastrado na ficha do responsável que subiu os supostos dados da vacina de Bolsonaro nos sistemas do governo. A data de aplicação apontada também reafirmou suspeitas de se tratar de um ato criminoso, por ter sido no dia em que Bolsonaro recebeu alta de um hospital privado em São Paulo, após ter sido internado por conta de uma obstrução intestinal.

O que aconteceu até agora

A Operação Venire foi deflagrada na última quarta-feira, 3, pela Polícia Federal.  No mesmo dia, o tenente-coronel Mauro Cid, ex- ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, foi preso. Além dele, mais cinco pessoas foram presas:

• Max Guilherme, ex-sargento do Batalhão de Operações Especiais (Bope) e segurança do ex-presidente;

• Sergio Cordeiro, militar do Exército Brasileiro e também segurança de Bolsonaro;

• Luís Marcos dos Reis, sargento do exército que foi assessor de Bolsonaro e trabalhou com o ajudante de ordens Mauro Cid;

• João Carlos de Souza Brecha, secretário municipal de Saúde de Duque de Caxias (RJ);

• Ailton Gonçalves Moraes Barros, ex-major do Exército que se candidatou pelo PL à Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro na última eleição.

Também foram expedidos 16 mandados de busca e apreensão. Entre os endereços alvo, estão o do ex-chefe do Executivo. No local, a PF apreendeu o celular dele; o da ex-primeira dama Michelle Bolsonaro teria sido poupado. A investigação apura a falsificação de dados das seguintes carteiras de vacinação:

• Jair Bolsonaro;

• Laura Bolsonaro, filha do ex-presidente;

• Mauro Cid, além da mulher e filha dele.

Mostrar mais
Botão Voltar ao topo