Roteirista de filme sobre Suzane Von Richthofen revela trecho pertubador da história: ‘Irmãos afirmaram que ela era estuprada pelo pai’

Ilana Casoy era aluna ouvinte em um curso de perícia criminal da Academia de Polícia de São Paulo, quando acompanhou in loco o julgamento de Suzane von Richthofen e dos irmãos Daniel e Cristian Cravinhos, em 2006, pela morte de Marísia e Manfred, pais dela. Ao lado de outras 299 pessoas, sentadas no plenário no Primeiro Tribunal de Júri de São Paulo, suas antenas não desgrudaram de Suzane durante os cinco dias que durou o julgamento – que acabou com a condenação de Suzane e Daniel a 39 anos de prisão e Cristian, a 38.

Treze anos se passaram, Ilana se especializou em Criminologia pelo IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), escreveu um livro sobre o caso e, agora, prepara o roteiro do filme “A Menina Que Matou os Pais”, que estreia no primeiro semestre de 2020 e terá a atriz Carla Diaz no papel da protagonista.

No longa, ela pretende contar a história do encontro “letal” de Suzane e Daniel. “Ela não foi mandante do crime. É uma assassina, tanto quanto o namorado”, diz.

Neste ano, Ilana estreia ainda um programa no canal a cabo AXN, “Em Nome da Justiça”, em que falará sobre erros em condenações da Justiça brasileira.

Qual é a sua conclusão sobre o motivo do crime?
Lógico que ela queria o dinheiro dos pais. Mas não vai dizer isso. Na história que ela conta, não queria nada deles. Quem queria era o namorado, e ela seguiu as ordens dele. Falou-se também sobre ela ter sido estuprada pelo pai. Daniel e Cristian disseram isso no júri [os irmãos Cravinhos afirmaram que Suzane disse que era molestada pelo pai desde os 13 anos]. É uma discussão que vai entrar no filme. Mas isso não foi comprovado.

O que havia na relação de Suzane e Daniel que ainda não foi dito? 
Eles eram duas pessoas normais que, ao se juntarem, se tornaram letais. Se eles não tivessem se conhecido, provavelmente seguiriam suas vidas comuns e não teriam cometido crimes. Até o dia em que mataram Manfred e Marísia, nenhum deles tinha antecedentes criminais. Não havia também diagnóstico de doença mental e nem histórico de atitudes abusivas entre eles. No filme, vamos contar esse caminho que eles construíram juntos.

Há alguma informação que nós, de fora dos detalhes do crime, julgamos conhecer, mas que está completamente errada? 
Até hoje Suzane é vista como mandante do crime. Como se tivesse premeditado tudo e o namorado e o irmão dele tivessem ajudado. Não foi isso o que aconteceu. Ela foi condenada como assassina, assim como Daniel e Cristian o foram. O equívoco existe porque se fala muito mais dela, afinal, eram seus pais. Ela cruzou a linha do sagrado ao matar pessoas do seu sangue.

Acredita que o irmão de Suzane, Andreas, teve algum envolvimento?
Não. Se tivesse, teria sido processado. Ele era um menino [Andreas tinha 15 anos na época], protegido pela família, não sabia nem pegar ônibus. Sei que, há uns anos, ele foi encontrado no quintal de uma casa em São Paulo; teve gente que achou que ele estava drogado ou em surto psicótico.

Suzane deixa a prisão desde 2015 nos Dias das Mães e dos Pais porque recebe benefícios de liberdade temporária. Suas saídas sempre geram repercussão. O que você acha de ela poder sair nesses dias? 
Fico revoltada com essa comoção em torno das saídas dela. As pessoas precisam entender que o sistema penitenciário não é feito em função das vítimas dos crimes. Não tem como individualizar a população carcerária, separar os benefícios de acordo com quem cada um matou. Os detentos ganham saídas anuais dependendo do seu comportamento. Quem não tem mãe, sai também.

Você também se debruça sobre casos de serial killers. O que pode dizer sobre o perfil desses assassinos?
A motivação é diferente para homens e mulheres. O principal motivo para um homem matar em série é sexo. Seja porque ele tem um problema relacionado à sexualidade, algum transtorno, uma doença, sofreu uma rejeição sexual, ou foi impotente e uma mulher deu risada dele. Já entre mulheres, o principal motivo é o dinheiro. Existe a ideia romantizada de que elas matam por amor; mas isso não é verdade. E, normalmente, matam os homens envenenados.

Qual foi o pior crime contra uma mulher que você acompanhou?
O pior é aquele que a mulher não consegue denunciar a violência doméstica, ou se sente culpada por apanhar. Ela costuma dizer que o agressor tinha suas razões para dar porrada nela. Para mim, esse é o pior tipo, porque a mulher não consegue sair daquela violência.

E cometido por mulheres?
Os piores são quando elas matam os filhos. Tem um dado do Departamento de Justiça dos Estados Unidos que fala que, na maioria dos casos de crianças com menos de 12 anos assassinadas, o crime acontece durante uma briga de casal. Os adultos já estão se agredindo, a criança entra no meio do caminho, tenta interromper e acaba sendo morta.

Você presta consultoria para filmes, séries e novelas. Qual é, exatamente, o seu trabalho, nessas produções? 
Eu aponto os erros. Sou chamada para prestar esse serviço porque o público tem muito conhecimento e reclama de cenas inverossímeis. E passam vários deles. Recentemente, em uma série brasileira, vi a mulher, uma atriz linda, entrando na água para abraçar o corpo do marido morto. Isso é impossível. Um corpo, quando é encontrado na água, está se desfazendo, não tem como segurá-lo.

Em seu novo programa, “Em Nome da Justiça”, da AXN, você vai falar sobre casos que até hoje geram dúvidas em relação às decisões da Justiça. O que mais te impressionou ao analisá-los?
Que nessas decisões duvidosas, os condenados seguem o mesmo estereótipo, já pronto na cabeça de todo mundo: são negros e pobres. A discriminação de raça é gritante. E é de todo lado: polícia, imprensa. Em caso envolvendo drogas, se for branco e bonito, vai tratar a dependência. Se é negro, é traficante. A Justiça no Brasil, como em todo mundo, é racista.

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