Canal do cercadinho de Bolsonaro para de publicar, demite apresentador e é colocado à venda

Um dos principais canais de YouTube do cercadinho do Palácio da Alvorada e com acesso privilegiado ao local na gestão Jair Bolsonaro (PL), o Foco do Brasil não publicou um conteúdo sequer desde a derrota eleitoral.

Com quase 3 milhões de inscritos, o canal demitiu o apresentador Cleiton Basso, que tinha um programa diário para falar do governo Bolsonaro, foi colocado à venda e deve ter um rumo editorial diferente, caso consiga manter sua base de inscritos.

Criado no primeiro ano do mandato de Bolsonaro, o Foco do Brasil é um dos alvos do inquérito que investiga atos antidemocráticos, instaurado em 2020 pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal). Na eleição, teve a receita suspensa pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Diante da crise, o técnico de informática Anderson Ramos, o único proprietário, colocou o Foco do Brasil à venda e encerrou o contrato com Basso, a cara da marca nos últimos quatro anos.

De 2019 a 2020, o canal lucrou US$ 330 mil (R$ 1,7 milhão na cotação atual de câmbio) com monetização do YouTube, segundo relatório da Polícia Federal divulgado à época pelo jornal O Estado de S. Paulo

Os conteúdos mais visualizados do canal eram os registrados em áreas internas da residência oficial da Presidência da República, espaço que a imprensa não tinha acesso.

Em setembro, um homem foi pago pelo Foco do Brasil para fazer uma pergunta previamente combinada com Bolsonaro no cercadinho.

Ele foi contratado para figurar como apoiador do presidente e questionar se ele havia assistido à entrevista do então ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta ao Fantástico. Bolsonaro respondeu: “Eu não assisto à Globo”.

Cleiton Basso diz que não pode responder pelo Foco do Brasil, mas que a direção decidiu parar de publicar conteúdos após a decisão do TSE, para evitar novos problemas. Em outubro, a corte eleitoral acatou uma ação de coligação de Lula e determinou a suspensão da verba do canal até 31 daquele mês.

A ação afirmava que mídias como Brasil Paralelo, Folha Política e Foco do Brasil teriam papel relevante em uma cadeia de comunicação que ajudava a divulgar narrativas falsas sobre a conexão de Lula ao crime organizado, por exemplo.

Basso diz ressentir-se de ter seu nome associado a atos antidemocráticos. “Não sou o proprietário do Foco do Brasil e nunca fui a atos antidemocráticos”, afirma, referindo-se aos protestos contra o Congresso e o Supremo em 2020.

Na ocasião, o apresentador prestou depoimento como testemunha. “Era um inquérito sigiloso e logo depois meus dados e da minha família circularam na internet. Torço para que toda a gana do Alexandre de Moraes contra o bolsonarismo se reverta em combate à corrupção no Brasil”, afirma.

Basso gravava o jornal do Paraná e enviava a gravação para uma equipe de São Paulo, que fazia a edição e a montagem –incluindo a imagem de um estúdio de jornalismo falso que sempre aparecia atrás dele. A equipe também contava com um cinegrafista em Brasília, que fazia as imagens do cercadinho.

A reportagem apurou que um profissional de São Paulo, que trabalha no setor de mídia, está prestes a completar a compra do Foco do Brasil. Ele não revelou valores e prefere não divulgar mais informações até que a transação seja concluída —ela depende de o canal estar sem penalizações.

Por WhatsApp, limitou-se a dizer que sua empresa adquiriu o canal após a fase do cercadinho e com interesse em reformular o projeto, que poderá ter diferente linha editorial.

A reportagem não conseguiu entrar em contato com Anderson Ramos.

O Foco do Brasil se tornou uma das principais fontes de informação para o público bolsonarista. Publicava de um a dois vídeos por dia, com destaques positivos para o chefe do Executivo e seu entorno.

Em sua descrição no YouTube, o canal diz que cresceu naturalmente, “não recebe e nunca recebeu nenhum recurso financeiro de políticos, empresários ou quem quer que seja”. O mesmo foi dito pelo proprietário à PF.

A ascensão de Bolsonaro à Presidência coincidiu com uma onda de youtubers de extrema direita que usaram o bolsonarismo também como meio de sustento. Além da monetização, eles ganharam dinheiro com venda de produtos, como bandeiras e camisetas, e cobrança de assinaturas mensais de apoiadores.

Com o declínio da popularidade de Bolsonaro, que ainda não deu sinais do papel político que deve assumir após a derrota, a audiência desses perfis também amarga queda de audiência.

Dados da Novelo Data, que monitora canais de direita, mostram que o interesse por figuras como Kim Paim, influenciador de destaque neste nicho, e por programas como Os Pingos nos Is, da Jovem Pan, caíram nos dois últimos meses.

O primeiro passou de uma média mensal de visualizações de quase 1 milhão em outubro para 621 mil em novembro. O segundo foi de uma média mensal de quase 2 milhões para 1,2 milhão no mesmo período.

O levantamento aponta apenas para uma tendência, que precisará ser analisada nos próximos meses, já que o fim do ano costuma ser morno para youtubers.

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