DOENÇAS RARAS E DEFICIÊNCIAS: Confira riscos genéticos para filhos de casais de primos

Em diversas culturas em todo o mundo, o casamento entre primos é uma prática comum, aceitável socialmente e até incentivada. No entanto, quando o casal decide ter filhos, aumentam-se os riscos genéticos e também a incidência de doenças raras.

Esses casos são definidos como casamentos consanguíneos, ou seja, que ocorrem quando duas pessoas que compartilham uma ligação de parentesco sanguíneo resolvem se casar. Entre parentes de primeiro grau (primos, tios, irmãos, por exemplo) aumentam ainda mais os riscos de problemas genéticos hereditários.

De acordo com a SBGM (Sociedade Brasileira de Genética Médica e Genômica), os riscos de uma criança ter um defeito congênito com pais não aparentados gira em torno de 2 a 3% em cada gestação. Já quando os pais são primos, a porcentagem sobe para até 6%. Mas esse número pode ser ainda maior.

“Há dados que apontam que a cada gestação de pais consanguíneos as chances de ter doenças genéticas são de 25%, o que representa um a cada quatro nascimentos. E os riscos aumentam quando há uma maior proximidade entre os progenitores. Por isso, a diversidade genética é tão importante para a perpetuação da espécie”, destaca Denise Carvalho, geneticista do Complexo Hospitalar da UFC (Universidade Federal do Ceará).

Por que isso acontece?

É importante lembrar um pouco das aulas de biologia: cada indivíduo possui um conjunto de genes herdado dos pais (metade do pai e metade da mãe). Os genes são segmentos de uma molécula de DNA e ficam responsáveis pelas características herdadas geneticamente.

Quando os progenitores são primos, eles compartilham uma maior quantidade de genes comuns, o que aumenta a probabilidade de herdarem as duas cópias defeituosas (alteradas) do gene. Consequentemente, ao ter um filho, aumentam-se os riscos de este indivíduo ter uma doença genética com herança autossômica recessiva.

De forma geral, todos possuem variações genéticas e genes defeituosos. “Porém, quando temos um casal com parentesco, isso quer dizer que eles têm um ancestral em comum e mais chances de terem herdado essa mesma alteração no mesmo gene. Portanto, se ambos os pais tiverem o mesmo gene defeituoso, há uma maior chance de ter um filho com uma condição genética”, explica Michele Migliavacca, geneticista do Hospital Israelita Albert Einstein.

Principais doenças relacionadas a casamentos entre primos

Um estudo realizado pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) apontou que, no Brasil, os filhos de casamentos consanguíneos apresentam 4,16 vezes mais riscos de nascer com doenças genéticas raras quando comparados com filhos de casais sem parentesco.

De forma geral, existe uma categoria de doenças de herança autossômica recessiva que podem ser associadas a casamentos consanguíneos. Veja a seguir as principais condições de saúde que podem ocorrer nessas situações:

Anemia falciforme: doença hereditária que provoca alteração na hemoglobina, uma proteína que transporta o oxigênio para o corpo e é encontrada nos glóbulos vermelhos do sangue (hemácias). O formato alterado das hemácias dificulta a circulação sanguínea e causa complicações como AVC, problemas renais e pulmonares.

Atrofia muscular espinhal: trata-se de doença genética rara que afeta o sistema nervoso e os músculos. Ocorre uma degeneração progressiva dos neurônios motores, responsáveis pelo controle muscular. Portanto, causa fraqueza muscular progressiva e atrofia dos músculos.

Fenda labial (com ou sem fissura palatina): é uma anomalia congênita que provoca a abertura (ou divisão) no céu da boca, chamado de palato. A gravidade da condição pode variar de uma fenda pequena até uma divisão ainda maior que se estenda até a parte de trás da cabeça.

Mucopolissacaridose: trata-se de um grupo de doenças genéticas raras que leva a uma falha de produção de uma enzima importante para algumas reações químicas no organismo. Por causa disso, as substâncias chamadas mucopolissacarídeos se acumulam em vários órgãos e sistemas do organismo. Surgem problemas nos ossos, articulações, coração, olhos, ouvidos e sistema nervoso central.

Síndrome de Spoan: descoberta no início dos anos 2000 no interior do Rio Grande do Norte, a síndrome é considerada uma condição rara neurodegenerativa. Provoca efeitos nos movimentos das pernas e braços, além de afetar a fala e a visão. A doença foi identificada por pesquisadores do Centro de Estudos do Genoma Humano e do Hospital das Clínicas da USP, ao analisarem a mutação genética causada pela união consanguínea de moradores da cidade de Serrinha dos Pintos (RN). No local, é comum que pessoas da família se casem.

Talassemias: trata-se de um grupo de distúrbios sanguíneos hereditários que afetam a produção de hemoglobina. Os sintomas e gravidade da condição podem variar. No entanto, é comum que a pessoa fique anêmica, com fadiga e palidez. Em alguns casos, afeta o crescimento das crianças e causa deformidades ósseas, além de problemas cardíacos.

Aconselhamento genético é indicado

A recomendação dos especialistas é buscar um geneticista e realizar um aconselhamento genético antes da gestação. Durante a consulta, o médico faz um levantamento do histórico familiar e verifica se há o risco de uma doença genética.

Além disso, são avaliadas as condições de saúde do casal consanguíneo, histórico familiar e o risco para condições genéticas específicas. Muitas vezes, é preciso realizar testes genéticos.

“Trata-se de um processo de comunicação para uma orientação de risco de ocorrência (ou recorrência) de uma determinada condição genética de uma família ou pessoa. Envolve etapas desde a investigação, que identifica alguma alteração genética, passa pelo cálculo de risco e segue para a orientação de familiares. Em seguida, há o acompanhamento clínico do casal ou indivíduo”, explica Rodrigo Fock, geneticista da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

Vale destacar que são oferecidas informações para que os pais possam tomar a decisão de ter ou não filhos biológicos por conta dos riscos genéticos e possíveis consequências tanto para a família quanto para a criança. No entanto, a decisão sempre deve ser do casal.

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