Democrata é eleito primeiro senador negro da Geórgia, deixando Biden mais próximo da maioria na Casa

Os democratas ficaram mais perto de ter a maioria no Senado americano nesta quarta, após a imprensa projetar a vitória do reverendo Raphael Warnock em um acirrado segundo turno na Geórgia. Símbolo das mudanças sociais e políticas que o estado atravessa, o triunfo de Warnock sobre a senadora republicana Kelly Loeffler marca um ponto de virada para o Partido Democrata no Sul do país.

Reverendo da Igreja Batista Ebenézer há 15 anos, cargo ocupado por Martin Luther King na década de 1960, Warnock, de 51 anos, é duplamente pioneiro: torna-se não só a primeira pessoa negra a representar a Geórgia no Senado, mas também o primeiro democrata negro eleito para a Casa por um estado sulista.
Com o resultado, os democratas ficam um passo mais perto de retomar o controle do Senado após cinco anos, algo crucial para a governabilidade do presidente eleito, Joe Biden. Para isso, basta que o candidato do partido à outra cadeira em disputa, Jon Ossoff, mantenha-se na frente do republicano David Perdue. Com 98% dos votos apurados, ele tem uma estreita, mas crescente, margem de 0,38 ponto percentual.
Raphael Warnock, do Partido Democrata, venceu um acirrado segundo turno na Geórgia. 'Todos nós temos uma escolha a fazer. Continuaremos a dividir, distrair e desonrar uns aos outros ou amaremos nosso próximo como amamos a nós mesmos?', questionou o reverendo
Raphael Warnock, do Partido Democrata, venceu um acirrado segundo turno na Geórgia. ‘Todos nós temos uma escolha a fazer. Continuaremos a dividir, distrair e desonrar uns aos outros ou amaremos nosso próximo como amamos a nós mesmos?’, questionou o reverendo

Ao comemorar sua vitória, Warnock refletiu sobre sua mãe, Verlene, uma pastora pentecostal. Durante sua adolescência no Sul racialmente segregado dos anos 1950, a mulher passava os verões colhendo tabaco e algodão em plantações na cidade de Waycross, na Geórgia:

— As mãos de 82 anos que costumavam a colher o algodão de alguém foram às urnas escolher seu filho mais novo para ser senador dos Estados Unidos — disse o parlamentar recém-eleito, o 11o de 12 filhos criados em um complexo habitacional em Savannah. —  Essa jornada improvável que me trouxe a este lugar neste momento histórico apenas poderia acontecer aqui.

Herança segregacionista

A segregação racial chegou ao fim ofiicialmente com a Lei dos Direitos Civis, de 1964, mas na prática o acesso dos negros ao sistema político continuou a ser propositalmente dificultado. O segundo turno, por exemplo, foi uma das medidas implementadas para que o establishment político do Sul, à época composto por democratas brancos, se mantivesse no poder.

A promoção e promulgação da lei pelo presidente democrata Lyndon Johson provocou resistência local na própria legenda e significou o fim do domínio político democrata no Sul dos EUA. Há 21 anos o partido não elegia um senador na Geórgia. Em novembro, Biden tornou-se o primeiro candidado democrata à Presidência a vencer no estado desde Bill Clinton, em 1992.

A ascensão política  do reverendo, cuja congregação é historicamente um pólo do ativismo negro, é indissociável das mudanças que o estado e o Partido Democrata atravessam. Os subúrbios de Geórgia, historicamente brancos, veem um aumento de moradores negros, minoria que representa mais de 30% da população do estado, além de latinos e asiáticos.

Sob o comando de Stacey Abrams, uma democrata negra que quase se elegeu governadora em 2018, o partido se mobilizou por 10 anos para ampliar sua infraestrutura política na Geórgia, registrando novos eleitores e incentivando o voto entre grupos minoritários.

Segundo o Instituto Pew, nos últimos 20 anos 48% dos 1,9 milhão de novos eleitores registrados na Geórgia eram negros. Os votantes brancos continuam a ser a maioria, mas representação no total caiu de 63% em 2008 para 53% em 2020.

‘Marxista radical’

Os esforços se traduziram em comparecimento neste segundo turno: a participação em áreas predominantemente negras foi maciça, chegando a níveis similares aos de novembro. O comparecimento em condados com grandes populações brancas, por outro lado, ficou aquém do esperado.

Para analistas, parte da culpa recai sobre Trump: por um lado, as tentativas de pôr em xeque a credibilidade do sistema eleitoral podem ter afastado grupos conservadores que não viam sentido em participar de uma eleição que consideram, mesmo sem quaisquer evidências, ser fraudada. Por outro, podem ter desencorajado republicanos moderados que as veem como um ataque às normas democráticas.

A estratégia republicana de campanha, focada em atacar Warnock e seus sermões sobre justiça social, desiguadade racial, igualdade de gênero e o respeito aos direitos LGBTI, por exemplo, também parece ter sido um tiro no pé. Loeffler, por exemplo, chegou a chamá-lo de “marxista radical”. Ao invés de atrair consevadores para as urnas, a estratégia estimulou a participação em comunidades rurais majoritariamente negras, onde a igreja ocupa um papel central.

Loeffler, que ainda não reconheceu sua derrota, faz parte da dúzia de senadores e mais de 150 deputados republicanos que devem tentar bloquear a certificação da vitória de Biden no Congresso nesta quarta. As duas Casas do Legislativo se reunirão em uma sessão conjunta para ratificar o resultado, a última etapa antes da posse do presidente eleito, no próximo dia 20. O plano, no entanto, é fadado ao fracasso, já que precisará passar por votação na Câmara, de maioria democrata, e no Senado, onde vários republicanos reconheceram a vitória de Biden.

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