Bolsonaro repete que 70% pegarão coronavírus e cientistas estimam 1,8 milhão de mortes se isso ocorrer

Jair Bolsonaro afirmou nesta segunda-feira (11) que o novo coronavírus contaminará 70% dos brasileiros, repetindo o número que vem dizendo nos últimos dias. O percentual é apresentado pelo presidente como um número inevitável e um argumento contra medidas de isolamento social.

Mas pesquisadores ouvidos pelo G1 dizem que, na hipótese de 70% das pessoas se contaminarem, o país pode ter 1,8 milhão de mortos (veja projeção mais abaixo) e isso deveria ser um argumento a favor das medidas de isolamento social, para evitar que a mortalidade da epidemia se acentue com um colapso do sistema de saúde.

O que disse Bolsonaro

Nos últimos dias, Bolsonaro usou o argumento dos 70% ao menos três vezes. Em 20 de abril, disse: “Devemos falar ao povo: calma, tranquilidade. 70% será contaminado”. Em 9 de maio, durante passeio de moto aquática no Lago Paranoá: “É uma neurose, 70% vai pegar o vírus. Não tem como! Loucura”. Em 11 de maio, questionado sobre o lockdown em Recife: “É pior pô. O vírus vai atingir 70%. Vocês sempre batem em mim, que falo da questão da saúde”.

O que dizem os pesquisadores

  • Não é certo que 70% da população será contaminada;
  • Caso 70% se contaminem, isso equivale a 154 milhões de pessoas;
  • Estamos agora com cerca de 170 mil casos confirmados (é um número considerado subestimado, mas mesmo a pior estimativa indica poucos milhões de contaminados);
  • Caso o Brasil chegue muito rápido aos 154 milhões de contaminados, não haverá leitos para todos;
  • Enquanto não há vacina ou remédio, é preciso adotar um conjunto de medidas – que incluem diversos níveis de isolamento social – para ganhar tempo até que o sistema de saúde tenha capacidade de atender a todos que necessitam.

De onde vem esse percentual de 70%?

Entre os pesquisadores não há consenso sobre qual o percentual da população será potencialmente infectada, mas há a estimativa de que os 70% poderiam ser alcançados caso não houvesse nenhuma medida restritiva.
Ao chegar neste patamar haveria uma barreira da imunidade de grupo. Essa estratégia de permitir a circulação do vírus chegou até a ser adotada no Reino Unido, mas foi descartada com o avanço da pandemia e das mortes (leia mais abaixo sobre imunidade de rebanho).

Um dos pesquisadores que chegou à estimativa dos 70% foi o chefe do Departamento de Epidemiologia da Universidade Harvard, Marc Lipsitch. Inicialmente, em entrevista ao “The Wall Street Journal”, ele avaliou que de 40% a 70% da população de adultos e idosos seria infectada pelo Sars-CoV-2. Alguns dias depois, com a forte repercussão, revisou em uma perspectiva mais conservadora: de 20% a 60%.

“Como agora estou menos seguro de até quanto irá o R0 (taxa de transmissão) e como ele poderá variar geograficamente, revisarei para baixo a gama de resultados que considero plausíveis para 20% a 60% dos adultos infectados. Isso envolve uma subjetividade sobre qual faixa de R0 pode se tornar verdadeira”, escreveu o pesquisador.

Impacto no Brasil

O Brasil tem hoje, segundo projeção do IBGE, 211,4 milhões de habitantes. Uma doença que alcance 70% da população infectaria 154,3 milhões de pessoas. Atualmente, os 168.331 casos já confirmados até segunda-feira (11) representam menos de 0,1% da população.

Pesquisadores ouvidos pelo G1 lembram que o percentual da população afetada e em qual tempo isso ocorre é a chave de enfrentamento da epidemia. Sem vacina ou remédios, a redução do contato social, programas de testagem em massa e rastreamento dos infectados são o principal caminho.

“A velocidade em que os casos acontecerem, sejam eles representativos de 40, 50 ou até mesmo 70% da população, determinará a gravidade da situação sanitária pela qual o Brasil passará”, explica o professor Domingos Alves, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP.

“Se as medidas de isolamento social em vigor no momento forem mantidas, ou relaxadas de maneira consciente, informada por evidências e monitoradas eficientemente, o sistema de saúde não entrará em colapso. Se, por outro lado, o número previsto de infecções se der em um período relativamente curto, não haverá capacidade de absorver a demanda criada e o número previsto de óbitos poderá ser significativamente maior”, detalha.

Isso se deve ao fato, segundo o professor, de que além de extrapolar a capacidade de atendimento aos pacientes com Covid-19, a mortalidade por outras causas que exigem UTI sofrerá um aumento imediato como consequência desta sobrecarga.

Projeção feita por Domingos Alves e Mauro Sanchez, da USP e da UNB, utilizando uma calculadora que leva em conta a estrutura etária do Brasil e uma taxa de letalidade similar à identificada na China – onde a pandemia se manifestou num período de tempo bastante concentrado — aponta que, se 70% da população brasileira for infectada, pode haver 1,8 milhão de mortes.

Com as cifras oficiais ainda distantes dos 70%, estados do Norte e do Nordeste já enfrentam graves problemas no atendimento.

O pesquisador do Instituto de Saúde Global de Barcelona e médico intensivista Otavio Ranzani, a partir de dados oficiais dos hospitais brasileiros, estima que de todos os pacientes hospitalizados com Covid-19, quase 35% precisou de cuidados intensivos, mas ponderou que os números são ainda iniciais.

“A maioria dos doentes com Covid-19 que ficarem graves e precisarem de suporte para um órgão que parou de funcionar precisarão de UTI”, explicou o intensivista. “Se o paciente chegou neste estado e não conseguirmos oferecer suporte ao órgão, a chance de óbito é muito grande, tornando leitos de UTI fundamentais.”

Ele reforçou a importância de frear a transmissão do novo coronavírus para poder atender de maneira adequada a todos os pacientes mais graves, que precisam de um cuidado intensivo.

“Poderemos salvar muitas vidas se o número de doentes que necessitarem de UTI não ultrapassar a capacidade de leitos que temos no momento ou que conseguiremos expandir. Mas o que já estamos vendo em locais é que já estão faltando leitos normais de internação”, lamentou o especialista.

A pneumologista da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, Patrícia Canto, disse ao G1 que mesmo que toda a população possa se infectar com o vírus em algum momento, isso não pode acontecer ao mesmo tempo, porque haverá sobrecarga dos serviços de saúde.

“Não há leitos e não há profissionais para tudo isso”, disse Canto. “Temos que preservar o sistema de saúde –tanto o público como o privado–, porque esse gargalo não é específico do SUS.”

A especialista reforçou que ainda que haja a abertura de novas vagas, é importante que médicos e enfermeiros sejam treinados.

“Estes são leitos de alta complexidade, que precisa de equipamentos especiais e de profissionais habilitados para trabalhar nesse tipo de ambiente. Não é todo médico ou enfermeiro que pode trabalhar em uma UTI”, disse a pneumologista.

A informação é do G1

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